terça-feira, 3 de maio de 2011

Emprego de para eu e para mim

Apesar de simples, o emprego dos pronomes eu e mim ainda pega a moçada pelo pé. Antes de eu elucidar a questão, vamos a alguns esclarecimentos importantes.

Sabe-se que os pronomes oblíquos tônicos são sempre precedidos de preposições, como a, até, contra, de, em, entre, para, por, sem. A combinação com e alguns desses pronomes originou as formas especiais comigo, contigo, consigo, conosco e convosco. Nossa gramática afiança que as preposições introduzem sempre pronomes pessoais do caso oblíquo e nunca pronomes do caso reto. Desse modo, gramaticalmente corretas são estas construções:

> Perante mim ficou ele estarrecido. (E não “Perante eu ficou ele estarrecido”.)
> Jurou inocência ante mim e os demais amigos. (E não “Jurou inocência ante eu e os demais amigos”.)
> Nada mais há entre mim e ti. (E não “Nada mais há entre eu e tu”.)
> Não se comprovou alguma ligação entre ti e ela. (E não “Não se comprovou alguma ligação entre tu e ela”.)
> Ele pensou em mim e ti. (E não “Ele pensou em eu e tu”.)
> Há nenhuma acusação contra mim. (E não “Há nenhuma acusação contra eu”.)
> Não vá sem mim. (E não “Não vá sem eu”.)
> Vinde até mim. (E não “Vinde até eu”.)
Até aqui, tudo bem. Mas e, quando lemos frases como “empresta-me o livro para eu ler”, “o trabalho é para tu realizares”, “não vás sem eu saber”, que é que ocorre? Afinal, temos a presença das preposições essenciais para e sem, o que, em tese, contraria a regra sobre a qual falei há pouco. Qual a razão de ser dessas construções, se a regra asserta que os pronomes pessoais retos (podem desempenhar função de sujeito ou predicativo do sujeito) não devem aparecer após uma preposição? À conta disso, obrigatório é o uso dos oblíquos, que, nas orações, desempenham as funções de complemento verbal ou nominal. Por quê, afinal? Ocorre que há construções em que a preposição, apesar de surgir anteposta a um pronome, serve para introduzir uma oração cujo verbo está no infinitivo. Nesses casos, o verbo pode ter sujeito expresso; se esse sujeito for um pronome, este deverá, já que desempenha função de sujeito, ser do caso reto. Vejamos, então:

> Empresta-me este livro para eu ler. [Alguém pratica o ato de ler. Quem? Eu (sujeito).]
Desenvolvendo-se essa frase, temos: “Empresta-me este livro para que eu leia”.
> O diretor deixará o relatório para eu redigir. [Alguém praticará o ato de redigir. Quem? Eu (sujeito).]
Desenvolvendo-se a frase: “O diretor deixará o relatório para que eu redija”.
Atenção! Os professores têm o hábito de dizer: “mim não faz nem acontece; não pode ser sujeito”. Apesar desse valioso conselho, a preposição para, vez ou outra, arma suas ciladas. Ocorre é que nem sempre o infinitivo é precedido do pronome do caso reto eu (ou tu). Quando ele for impessoal, não terá sujeito; logo, poderá haver antes dele o pronome oblíquo mim (ou ti). Vejamos:

> Para mim ler é fácil. [Muitos, numa primeira leitura, podem considerar o mim sujeito. É fácil perceber a possibilidade de uma ordem mais direta, simples e não menos coerente: “Ler é fácil para mim”. Note-se que o mim é sujeito de nenhum verbo, mas sim complemento nominal do predicativo do sujeito (termo fácil). Na construção “Para mim ler é fácil”, para se evitar confusão sintático-semântica, a vírgula é bem-vinda: “Para mim, ler é fácil”, em que para mim é, consoante Bechara, dativo de opinião.]
> A frase “É complicado para mim ler o livro”, para não dar margem a confusões sintático-semânticas, pode ser estruturada de alguns outros modos: “É complicado, para mim, ler o livro”, “É, para mim, complicado ler o livro”, “Para mim, é complicado ler o livro”.
Como se vê, diante da preposição para, devem-se abrir os olhos e afinar os ouvidos. Para reforçar tudo o que foi exposto, eis um macetezinho eficiente:

► Deve-se tentar deslocar o para mim para o começo da frase. Se o deslocamento for possível, será deveras para mim. Se a frase perder o sentido com a alteração, será para eu. Para efeito ilustrativo, em “Empresta-me o livro para mim ler”, vamos tentar mudar o para mim para o início da frase: “para mim, empresta-me o livro ler”. Faz sentido? Obviamente, não. Desse maneira, observa-se que o emprego legítimo é para eu e que o eu é sujeito do verbo ler. De outra face, na frase “É complicado para mim ler o livro”, o para mim pode ser deslocado sem prejuízo de sentido coerente: “Para mim, é complicado ler o livro”. Certamente, não houve perda de sentido lógico. Portanto, é de fato para mim. O mim não é, pois, sujeito do verbo ler, mas sim complemento nominal do predicativo do sujeito (termo complicado). Esse mim independe sintaticamente do verbo ler.

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